Arquivo do mês: fevereiro 2015

Arqueologia e os atrasos no Licenciamento Ambiental

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Nos últimos anos temos observado um aumento expressivo na quantidade de projetos de pesquisa arqueológica desenvolvidos no Brasil, acarretando o crescimento exponencial da produção de conhecimento sobre nossa História Pré-Colonial.

A expansão da Arqueologia para além dos muros da academia é decorrente da necessidade de realização de estudos de avaliação de impactos ao patrimônio cultural em processos de licenciamento ambiental de empreendimentos diversos, como rodovias, hidrelétricas, parques eólicos, gasodutos, linhas de transmissão de energia elétrica, loteamentos e condomínios residenciais, entre outros.

Atualmente a quantidade de obras (projetadas ou em andamento) é de fato expressiva. A imagem de um canteiro de obras com máquinas e operários trabalhando em ritmo acelerado tem se tornado recorrente no cotidiano de grande parte dos brasileiros. O que nem todos sabem é que a execução destes empreendimentos é precedida pela realização de estudos ambientais, cujo objetivo é avaliar a viabilidade do projeto de forma a conciliar sua implantação com a preservação ou redução de impactos ao meio físico, biótico e antrópico.

Tais estudos são normatizados por dispositivos legais específicos, exigindo a contratação de profissionais como biólogos, engenheiros florestais, sociólogos, historiadores, arqueólogos, entre outros técnicos. As pesquisas são realizadas em sucessivas etapas, conforme a licença ambiental requerida pelo empreendedor (Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação).

Diante deste contexto a Arqueologia tem se aproximado da população em geral, pois além da pesquisa propriamente dita, também são realizadas atividades de Educação Patrimonial com a comunidade presente nas proximidades dos empreendimentos, cujo objetivo principal é a socialização do conhecimento produzido, visando contribuir para o processo de formação identitária, além de promover o reconhecimento, apropriação e preservação do patrimônio histórico, arqueológico e cultural.

Esta aproximação também tem ocorrido de outras formas, pois tem se tornado cada vez mais frequente a associação que atribui os atrasos aos cronogramas de obras aos “problemas” decorrentes do processo de licenciamento ambiental, no qual se insere a pesquisa arqueológica.

A predominância do desconhecimento da população em geral acerca do trabalho do arqueólogo, aliada à facilidade com que uma notícia descontextualizada pode ser divulgada pelos meios de comunicação, são fatores que contribuem para a difusão de um entendimento errôneo quanto à importância da Arqueologia, fazendo com que facilmente ela seja tomada como um empecilho à conclusão de uma obra de importância social, eventualmente paralisada devido à localização de “ossinhos” ou “caquinhos” de cerâmica pré-colonial, cuja importância é ignorada por grande parte da população.

Obviamente o que deve predominar em qualquer situação é o bom senso, uma obra não é paralisada face à identificação de vestígios arqueológicos sem importância, muitas vezes a localização de um objeto isolado no subsolo pode significar a presença de todo um contexto arqueológico preservado em maior profundidade, demandando a adoção de procedimentos específicos de forma a garantir a continuidade das obras sem prejuízos ao patrimônio cultural. Após a salvaguarda destes vestígios, a obra pode ser retomada.

Infelizmente devido à ausência de regulamentação da profissão de arqueólogo, aliada à ocasional inexperiência de alguns profissionais, percebe-se alguns excessos e/ou situações que poderiam ser facilmente solucionadas. Este contexto também é reforçado por brechas na legislação e, por vezes, pela atuação unilateral do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), autarquia do governo federal responsável pela gestão do patrimônio cultural. No entanto, tais situações são pontuais, portanto, distantes do contexto predominante.

O que se percebe em alguns casos é que a pesquisa arqueológica tem sido utilizada para justificar os atrasos nos cronogramas de obras, servindo inclusive como elemento aglutinador para fortalecer determinados movimentos de pressão política em prol da flexibilização do licenciamento ambiental. A flexibilização neste contexto frequentemente pode ser entendida como o aniquilamento dos procedimentos legais e a destruição do patrimônio ambiental e cultural.

Outrora este movimento direcionou suas forças ao licenciamento ambiental como um todo, nos últimos tempos observamos sua fragmentação, através do direcionamento das críticas aos componentes específicos do processo de licenciamento, a exemplo da pesquisa arqueológica.

Na prática, o que os profissionais atuantes em Programas de Arqueologia Preventiva certamente têm percebido, é o inconcebível despreparo de gestores públicos e empreendedores privados no que tange ao licenciamento dos seus empreendimentos, atribuindo à culpa pela complexidade e morosidade dos processos às descobertas arqueológicas, mascarando assim os reais motivos.

Também há situações de má fé, onde os gestores claramente optam pelo atropelamento das etapas do licenciamento ambiental, por vezes impactando sítios arqueológicos e, por fim, pagando a conta através de multas e Termos de Ajustamento de Conduta, o que do ponto de vista orçamentário inacreditavelmente pode representar uma economia de recursos.

Neste momento alguém pode perguntar: Mas não existem empreendedores sérios e comprometidos com os procedimentos legais? A resposta é: Sim, certamente. A prática tem demonstrado que eles existem, e na maioria das vezes são representados pelos pequenos e médios empreendedores, as grandes empresas parecem ser uma exceção, talvez devido aos interesses políticos envolvidos ou até mesmo à grande rotatividade dos cargos de liderança.

Por fim, gostaria de reforçar que o desenvolvimento de pesquisas arqueológicas não ocorre de forma arbitrária, existem procedimentos como a Portaria Iphan nº 230/2002 que orientam os empreendedores privados e gestores públicos quanto aos procedimentos, etapas e prazos a serem seguidos em processos de licenciamento ambiental.

A pesquisa arqueológica, assim como o licenciamento ambiental, é realizada em benefício da sociedade. No futuro, diante de uma eventual notícia sobre a paralisação de obras em função da Arqueologia, lhes convido para uma breve reflexão acerca das dimensões desta notícia e dos elementos enfatizados, eles podem estar sendo usados como justificativa para mascarar os reais motivos e o despreparo dos gestores.


Fabricio J. Nazzari Vicroski

Arqueólogo do Núcleo de Pré-História e Arqueologia (NuPHA/UPF)

Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História (PPGH/UPF)

fabricioarqueologia@hotmail.com